Direito Penal
Seção 3
Sua causa!
Recordando o caso concreto, Cleópatra e Afrodite eram moradoras de uma comunidade rival, chefiada por outro traficante, que era inimigo de Brutus, sendo que, quando a notícia do homicídio das moças chegou até ele, foi acionada a Polícia Militar, de forma anônima, dando o direcionamento exato da residência de Brutus para constatar que os corpos lá estavam e ele ser preso.
A Polícia Militar, sem qualquer investigação prévia, chegou logo pela manhã e arrombou a porta, encontrando Brutus ainda dormindo e os dois corpos no chão com orifício de entrada de uma bala de fuzil que transfixou ambas as vítimas e parou a trajetória na parede, tendo sido recolhido o projétil. Além disso, os policiais encontraram 40 papelotes de cocaína embalados prontos para comércio, bem como o fuzil utilizado no delito e uma pistola 9 mm que estava no armário da cozinha.
Cumpre ressaltar que, para encontrar as drogas e a pistola, os militares asfixiaram Brutus com uma sacola plástica, tendo ele, após não aguentar mais ser espancado e asfixiado, apontado onde guardava a arma e as drogas, bem como confessou ter praticado os homicídios.
Com sua prisão em flagrante, Brutus foi encaminhado para o Instituto Médico Legal para fazer exame de corpo de delito, constatando-se que ele fora asfixiado e espancado horas antes de fazer a perícia.
Após receber o auto de prisão em flagrante, o Juiz responsável pelos fatos designa audiência de custódia para a oitiva do acusado e ficar a par dos moldes em que se deram a sua prisão.
Na audiência de custódia, realizada dentro do prazo legal, o acusado mencionou que os policiais militares entraram em sua residência sem o seu consentimento, tendo ainda espancado e asfixiado ele, de forma a confessar o crime, o que fora comprovado pelo exame de corpo de delito.
Não obstante, o membro do Ministério Público, tendo visto que Brutus tinha uma extensa ficha criminal, bem como pelos crimes que foram flagrados no momento de sua prisão em flagrante, requereu a conversão em prisão preventiva, uma vez que o acusado teria praticado crime hediondo, consistente no delito do art. 121, §2º, II (motivo fútil) e VIII (emprego de arma de fogo de uso restrito),do Código Penal, por duas vezes (duas vítimas), combinado com o crime do art. 16, caput (porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), da Lei nº 10.826/03, por duas vezes (fuzil e pistola 9 mm), e art. 33, caput (tráfico de drogas), da Lei nº 11.343/06, todos em concurso material de crimes, na forma do art. 69 do Código Penal, destacando que não era possível a concessão de liberdade provisória com fiança, pois a Lei nº 8.072/90, art. 2º, II, veda tal benefício legal. Além disso, o Promotor de Justiça não acreditou que os policiais teriam espancado e asfixiado o acusado, bem como que os crimes praticados foram comprovados pela entrada em sua residência, sendo dispensável o consentimento do morador nessas situações de permanência do delito.
A Defesa requereu o relaxamento da prisão ilegal, tendo em vista que a prisão foi ilícita e ilegal, eis que os policiais militares praticaram crime de tortura e violaram o domicílio do acusado, apontando, ainda, que os requisitos da prisão preventiva não estavam presentes.
Todavia, o Magistrado com atuação na audiência de custódia entendeu por bem decretar a prisão preventiva com base nos seguintes fundamentos: “Decido que o crime de tortura não foi claramente comprovado, devendo ser investigado em via própria; a invasão de domicílio feita pelos policiais é justificável, pois estava ali sendo praticado um crime hediondo, constituindo a ausência de consentimento mera irregularidade. Por isso, decreto a prisão preventiva com base na garantia da ordem pública, bem como pela hediondez dos delitos”.
Além disso, até o presente momento, não foi feito exame de corpo de delito no corpo da vítima, pois ela fora sepultada sem essa análise pericial, o que impediu aferir, tecnicamente, a causa da sua morte, mas a Polícia e o Ministério Público entenderam que isso era dispensável, pois era óbvio que foi por meio de disparo de arma de fogo.
Dessa forma, o réu foi preso preventivamente na cidade de Porto Seguro/BA, mais precisamente por ordem da 1ª Vara do Tribunal do Júri da Comarca de Porto Seguro/BA. A Defesa impetrou pedido de revogação de prisão preventiva, mas ele foi negado pelo Magistrado, tendo os autos retornado ao Ministério Público para oferecimento de denúncia.
Na sequência, o Ministério Público ofertou a peça acusatória, na forma seguinte: “Trata-se de denúncia criminal ofertada em razão de o acusado ter praticado os delitos previstos no art. 121, §2º, II (motivo fútil) e VIII (emprego de arma de fogo de uso restrito), do Código Penal, por duas vezes (duas vítimas), combinado com o crime do art. 16, caput (porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), da Lei nº 10.826/03, por duas vezes (fuzil e pistola 9 mm), e art. 33, caput (tráfico de drogas), da Lei nº 11.343/06, todos em concurso material de crimes, na forma do art. 69 do Código Penal. A materialidade dos delitos de porte ilegal de arma de fogo e tráfico de drogas pode ser aferida ao longo do processo, sendo dispensável o exame de corpo de delito nesse momento processual. Quanto ao crime de homicídio, entende-se que ele ocorrera por meio de disparo de arma de fogo, não sendo necessária a sua comprovação pericial. Por fim, quanto ao concurso material de crime previsto no art. 69 do CP, ele deve ser aplicado, pois o princípio da consunção não possui aplicação no presente caso, pois os bens jurídicos tutelados são diversos, pelo que pede o Ministério Público a sua condenação em todos os crimes narrados”.
O Magistrado, antes de decidir sobre o processamento ou não do fato, deu vista para que você, advogado, ofertasse a peça cabível para defender os interesses do seu cliente, lembrando que a citação para tal defesa ocorrera em 16/10/23 e você deve considerar o último dia do prazo para a interposição da aludida peça defensiva.
Fundamentando!
A Constituição Federal, em seu art. 5º, LV, preleciona que serão assegurados o contraditório e a ampla defesa a todos os litigantes. Nesses termos: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.
Assim, ao acusado é assegurado que ele se defenda das imputações feitas pela acusação, podendo valer-se de todos os meios e recursos existentes no Processo Penal, como no caso a resposta à acusação.
Um detalhe relevante é que, nos crimes dolosos contra a vida, como ocorre com o homicídio, a competência para julgar todos os delitos conexos é do Tribunal do Júri, daí sendo relevante direcionar a peça processual para esse juízo específico, na forma do art. 78, I, do CPP.
A peça processual chamada de resposta à acusação, como demonstra o Professor Renato Brasileiro, é a oportunidade que o acusado tem de ser ouvido antes de o juiz receber a denúncia, in verbis:
Esta peça defensiva visa evitar o processo como pena, isto é, impedir a instauração de um processo leviano, com base em acusação que a apresentação de defesa preliminar antes do recebimento da peça acusatória possa, de logo, demonstrar de toda infundada. A dialética inicial proporcionada pela defesa preliminar é de singular importância. (Lima, 2020, p. 1410)
Na sistemática infraconstitucional, a resposta à acusação está prevista no art. 406, nesses termos:
Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) § 1º O prazo previsto no caput deste artigo será contado a partir do efetivo cumprimento do mandado ou do comparecimento, em juízo, do acusado ou de defensor constituído, no caso de citação inválida ou por edital. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
§ 2º A acusação deverá arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), na denúncia ou na queixa. § 3º Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo que interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.
Destaca-se que, nessa peça processual, o acusado poderá alegar tudo aquilo que possa ser usado em seu interesse, ou seja, deverá elencar as teses defensivas, bem como apontar eventuais exceções processuais, tais como suspeição, impedimento e litispendência. Noutro giro, é nessa fase que a defesa poderá arrolar, em número de oito, as testemunhas a serem ouvidas em juízo, devendo especificar quais provas serão produzidas durante a instrução processual.
Em relação ao prazo processual, destaca-se que o Código de Processo Penal trata da matéria em seu art. 798, com a seguinte redação:
Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado.
§ 1º Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.
§ 2º A terminação dos prazos será certificada nos autos pelo escrivão; será, porém, considerado findo o prazo, ainda que omitida aquela formalidade, se feita a prova do dia em que começou a correr.
§ 3º O prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia útil imediato.
§ 4º Não correrão os prazos, se houver impedimento do juiz, força maior, ou obstáculo judicial oposto pela parte contrária.
§ 5º Salvo os casos expressos, os prazos correrão:
a) da intimação;
b) da audiência ou sessão em que for proferida a decisão, se a ela estiver presente a parte;
c) do dia em que a parte manifestar nos autos ciência inequívoca da sentença ou despacho.
Por essa disposição legal, os prazos processuais são contados excluindo o dia de início e incluindo o dia final, contrariamente ao Código Penal, em que o prazo inicial é contado, e o dia final, excluído.
EXAME PERICIAL
Muito relevante destacar que os crimes não transeuntes (que deixam vestígios) exigem a necessidade de realização de perícia para constatar a materialidade do crime, notadamente quando se trata de delitos contra a vida, em que a causa da morte deve ser averiguada.
De forma a tornar clara a questão, menciona-se o art. 158 do CPP, na forma citada a seguir:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Parágrafo único. Dar-se-á prioridade à realização do exame de corpo de delito quando se tratar de crime que envolva:
I – violência doméstica e familiar contra mulher;
II – violência contra criança, adolescente, idoso ou pessoa com deficiência.
Dentro da disposição legal, fica bem nítida a ideia de que o exame pericial é fundamental nos delitos que deixam vestígios, como sói acontecer nos crimes contra a vida, sendo que sua ausência impede a constatação da materialidade delitiva.
Ausente o exame pericial, carece a ação penal de lastro probatório mínimo, ensejando a rejeição da denúncia, conforme preleciona o Código de Processo Penal, nesses termos:
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I – for manifestamente inepta;
II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal;
III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.
Caso já tenha ocorrido o sepultamento do corpo da vítima, isso não é empecilho para a realização do
exame de corpo de delito, pois o Código de Processo Penal, em seu art. 163, assim traz:
Art. 163. Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que, em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado.
Parágrafo único. O administrador de cemitério público ou particular indicará o lugar da sepultura, sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem indique a sepultura, ou de encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inumações, a autoridade procederá às pesquisas necessárias, o que tudo constará do auto.
Delito não transeunte/Necessidade de laudo pericial
Dessa forma, o exame pericial em crimes dolosos contra a vida é indispensável. Além disso, nos crimes de posse e porte de arma de fogo e no tráfico de drogas, o exame pericial faz-se necessário, de forma a avaliar se a arma é própria para o fim que se destina e se a droga de fato se encontra no rol de substâncias proibidas.
A Lei nº 11.343/06 estabelece, em seu art. 50, §§ 1º e 2º:
Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas.
§ 1º Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.
§ 2º O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1º deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.
Pela redação legal, são necessários dois laudos na sistemática procedimental, quais sejam, laudo de constatação (preliminar) e laudo definitivo, sendo que qualquer ausência gerará uma nulidade processual.
Quanto ao crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo, a jurisprudência inclina-se no sentido de ser necessário o laudo de eficiência e prestabilidade, conforme se destaca do julgado abaixo do Superior Tribunal de Justiça, nesses termos:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÕES DE USO PERMITIDO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 14 DA LEI 10.826/2003 E 386, III, DO CPP. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. MUNIÇÕES ISOLADAMENTE CONSIDERADAS. COMPROVAÇÃO DA LESIVIDADE. MAIOR REPROVABILIDADE DA CONDUTA. MUNIÇÕES APREENDIDAS EM VIA PÚBLICA. CRIME DE MERA CONDUTA. TIPICIDADE CONFIGURADA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. ALTERAÇÃO DO QUANTO DISPOSTO NO ACÓRDÃO. NECESSIDADE DE REEXAME DO ARCABOUÇO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. No que se refere ao pleito de afastamento do óbice da Súmula 7/STJ, visando a absolvição do agravante, o Tribunal de origem dispôs que a materialidade do crime do artigo 14 do Estatuto do Desarmamento está comprovada pelo auto de prisão em flagrante delito (fls. 02/08-v), pelo boletim de ocorrência (fls. 10/21-v), pelo auto de apreensão (fl. 26) e pelo laudo pericial de eficiência e prestabilidade das munições (fl. 85). […] O acusado admitiu perante a autoridade policial ter sido preso “portando uma arma de fogo calibre .38 municiada com dois cartuchos” (fl. 06). Em juízo, ele exerceu seu sagrado direito constitucional de permanecer em silêncio (audiência audiovisual – CD de fl. 208). […] A confissão extrajudicial do réu foi confirmada em juízo pelo policial militar Marcelo Gonçalves da Silva, que relatou que apreendeu com o apelante um revólver calibre 38 com duas munições (mídia de fl. 208).
2. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais destacou, ainda, que para a tipificação do delito do artigo 14 da Lei 10.826/03, crime de perigo abstrato ou de mera conduta, basta a probabilidade de dano; não é necessária sua efetiva ocorrência. Entretanto, o simples fato de o crime de porte de munições de uso permitido ser de mera conduta ou de perigo abstrato não significa que é prescindível a realização de laudo pericial para aferir a eficiência e prestabilidade delas. Ou seja, é necessário atestar que as munições são aptas a ofender a incolumidade pública, independentemente de tal resultado ocorrer. […] No caso em tela, a despeito de o laudo de fls. 81/82 não ter constatado a eficiência e a prestabilidade da arma de fogo, o laudo de fl. 85 constatou a eficiência e a prestabilidade das duas munições calibre 38 que foram apreendidas com o acusado. Ou seja, elas eram capazes de ofender a integridade física de alguém. […] O bem jurídico tutelado pelo Estatuto do Desarmamento é a incolumidade pública, o que transcende a mera proteção à incolumidade pessoal, abrangendo a garantia e preservação do estado de segurança.
3. Para revisar o aferido pela Corte de origem, seria necessária a incursão em aspectos de índole fático-probatória, medida essa inviabilizada na via eleita pela incidência do óbice constante da Súmula 7/STJ.
4. Para o Superior Tribunal de Justiça, há tipicidade na conduta do porte de munição de arma de fogo, ainda que desacompanhada de artefato bélico.
5. A particularidade descrita no combatido aresto, atinente à apreensão das munições em via pública, demonstra uma maior reprovabilidade da conduta do agravante, o que impossibilita, no caso, o reconhecimento da atipicidade material de sua conduta.
6. Segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, o simples fato de possuir arma de fogo, mesmo que desacompanhada de munição, acessório ou munição, isoladamente considerada, já é suficiente para caracterizar o delito previsto no art. 14 da Lei n. 10.826/2003, por se tratar de crime de perigo abstrato. Nesse contexto, é irrelevante aferir a eficácia da arma de fogo/acessório/munição para a configuração do tipo penal, que é misto-alternativo, em que se consubstanciam, justamente, as condutas que o legislador entendeu por bem prevenir, seja ela o simples porte de munição, seja o porte de arma desmuniciada.
7. A conclusão do aresto impugnado está em sintonia com a orientação jurisprudencial desta Corte quanto à tipicidade da conduta de porte ilegal de munição desacompanhada de arma de fogo (EREsp n. 1.853.920/SC, Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, DJe 14/12/2020).
8. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1544853 / MG).
Dessa forma, o exame pericial é indispensável nos delitos de homicídio, posse/porte ilegal de arma de fogo e tráfico de drogas, não havendo justa causa a sua ausência no procedimento penal.
PROVA ILÍCITA
Outro ponto que merece atenção é sobre os efeitos de uma prova produzida de forma ilícita, consoante ocorre quando há a prática de um crime (tortura e abuso de autoridade). Nesse viés, destaca-se o art. 157 do CPP, nesses termos:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. § 1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Ainda que existam apontamentos de que o acusado tenha praticado algum delito, pois foi encontrado produto do crime com ele, a forma é relevante para o Código de Processo Penal, não podendo ser considerada prova lícita quanto violados dispositivos processuais ou constitucionais.
Para tornar clara a questão, o ordenamento jurídico brasileiro prevê como crime a tortura e a invasão de domicílio feita de forma ilegal, trazendo para o caso a aplicação do art. 157 do CPP, que fora citado anteriormente, conforme se vê a seguir, nesses termos:
Lei nº 9.455/97
Art. 1º Constitui crime de tortura:
I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena – reclusão, de dois a oito anos.
Lei nº 13.869/19
Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Como se trata de crimes, todas as provas produzidas são consideradas ilícitas e devem ser desentranhadas dos autos, restando sem justa causa a ação penal que está lastreada em fundamentos ilegais.
CONCURSO MATERIAL DE CRIMES – ART. 69 DO CP – ERRO NA EXECUÇÃO – ART. 73 DO CP
Um ponto relevante a ser discutido é quando ocorre o instituto do concurso material de crimes, em que as penas dos delitos são somadas, bem como quando é o caso de aplicação do chamado conflito aparente de normas, em que apenas um crime é aplicado, restando os demais afastados.
A redação do art. 69 do CP está disposta nesse sentido:
Concurso material
Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º – Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º – Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.
A regra estampada no artigo é de que as penas deverão ser somadas em caso de prática de dois ou mais crimes, todavia deve ser lembrado que, se houver a aplicação do concurso aparente de normas, impõe-se a releitura do princípio da consunção ou absorção, em que o crime-fim absorve o crimemeio, pois se trata do chamado crime de passagem. No caso, se alguém se vale de uma arma de fogo para realizar o delito de homicídio, o crime de porte ilegal será absorvido pelo crime de homicídio, considerado crime-fim, devendo o agente responder apenas pelo crime previsto no art. 121 do CP.
Além disso, deve ser lembrado que no presente caso ocorreu a hipótese de erro na execução prevista no art. 73 do CP, que tem a seguinte redação:
Erro na execução
Art. 73 – Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código.
Quando o agente queria atingir apenas uma pessoa, mas atinge ambas, tem-se a regra do art. 70 do CP, que é citada na parte final do art. 73. Por tal regra, ocorre aquilo que se chama de concurso formal próprio, em que o agente responde apenas pelo crime mais grave com a pena exasperada, sem que haja a soma delas. Por exemplo, se cometeu um homicídio que almejava e a outra morte não foi desejada, responderá por um crime de homicídio com a pena aumentada, em vez de somar dois homicídios.
Essa é a dicção do art. 70, 1ª parte, do CP, nesses termos:
Art. 70 – Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único – Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código.
Caso o agente quisesse os dois homicídios, então teria o concurso formal impróprio da 2ª parte do art. 70 do CP, em que as penas seriam somadas, mas isso somente se houvesse dolo de matar as duas vítimas.
PONTO DE ATENÇÃO
A resposta à acusação é o primeiro momento em que a Defesa apontará as teses defensivas e as provas que possam demonstrar a inocência do acusado, devendo todos os pontos que beneficiam o acusado serem demonstrados e fundamentados.
Vamos peticionar!
Para elaborarmos uma peça prático-profissional que visa à defesa de alguém, cumpre ressaltar as seguintes indagações:
1. Já tendo sido oferecida a denúncia, qual medida poderia ser utilizada nesse momento processual?
2. A denúncia preencheu todos os requisitos legais?
3. Foram elencadas todas as questões fáticas trazidas até o momento pela narrativa dos fatos?
4. Existe tese que possa impedir o recebimento da ação penal?
Respondidas essas perguntas, poderemos começar a desenvolver a nossa peça.
• Sempre importante fundamentar, inicialmente, com algum artigo da Constituição Federal, notadamente o art. 5º.
• Após a utilização de um artigo da Constituição Federal, é interessante que se utilize um ou mais artigos da legislação infraconstitucional e evidentemente explique o motivo da citação legal.
• Precisamos utilizar também a doutrina, se possível mais de um doutrinador com o mesmo entendimento. A utilização de uma doutrina atual enriquece qualquer peça.
• Não podemos deixar de utilizar uma jurisprudência atual acerca do assunto debatido. Devese preferir jurisprudência de Tribunais superiores, como Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Atenção: jurisprudência são decisões reiteradas dos Tribunais, decisões isoladas devem ser evitadas.
• Se possível, utilizar súmulas, vinculantes e/ou não vinculantes.
A primeira medida a se fazer em uma peça processual é o endereçamento, ou seja, precisamos saber de quem é a competência para analisar aquele fato. Por esse motivo, antes de ajuizar uma ação ou apresentar qualquer peça processual, é necessário que o estudante conheça as regras de competência. As questões da OAB sempre demonstram onde se deu o fato, o que fica claro de atestar a competência.
Após o endereçamento, faz-se um preâmbulo, no qual colocaremos todos os dados das partes. Nunca se deve inventar dados nas peças práticas da OAB, pois isso identifica a sua prova, gerando a desclassificação.
Em seguida ao preâmbulo, iniciaremos os fatos, que nada mais são que a história contada pelo examinador.
Depois da narrativa dos fatos, iniciaremos os fundamentos jurídicos. É nesse ponto que você demonstra seu conhecimento. Portanto, faça com muita atenção e demonstre para o seu examinador que você conhece do assunto.
Após a fundamentação, é hora de fazer os pedidos. Cuidado! Você só pode pedir o que fundamentou.
Essas são as chamadas “dicas de ouro”. Tenho certeza de que com esse roteiro mental será fácil compreender e colocar em prática todos os seus poderes para uma escorreita peça práticoprofissional. Vamos peticionar?