Direito Constitucional
Seção 6
Sua causa!
Querido estudante!
Seja bem-vindo ao nosso sexto e último encontro do Núcleo de Prática Jurídica com suporte em AVA de Direito Constitucional.
Relembraremos o nosso problema, veremos qual o nosso novo desafio e aprenderemos mais sobre Direito Constitucional e as suas conexões com outras disciplinas que são importantíssimas na nossa vida cotidiana.
O CASO
Luiz é advogado em São Paulo e atua na defesa de consumidores com problemas de superendividamento. Ele recebeu em seu escritório a Fernanda, uma funcionária pública municipal, que recebe vencimentos de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por mês, mas está repleta de dívidas com empresas de cartão de crédito e bancos, além de já ter perdido o seu veículo, o apartamento em que vive e o seu plano de saúde.
Por ter enfrentado algumas dificuldades nos últimos anos, Fernanda passou a não quitar as faturas de seus cartões de crédito, levando ao constante parcelamento e pagamento do mínimo previsto, o chamado crédito rotativo do cartão de crédito. Após um ano, ela viu que as contas do cartão superavam em muito o valor de seu salário e pegou um empréstimo consignado para realizar a sua quitação. Contudo, o valor do empréstimo impossibilitou-a de realizar outros pagamentos, devendo se valer de novos empréstimos consignados para pagamento das dívidas anteriores e se manter.
Nesse tempo, vendeu o seu carro e comprou outro financiado, para com o valor da venda pagar alguns dos empréstimos. No entanto, não conseguiu pagar as parcelas e teve que entregar o carro para leilão, tendo perdido o valor de entrada e, ainda, permanecido com a nova dívida referente ao veículo.
Fernanda tentou realizar uma conciliação com os devedores em uma feira que estava ocorrendo junto a uma empresa de proteção de crédito, mas não houve acordo, uma vez que os parcelamentos oferecidos comprometiam integralmente o seu salário. O mesmo ocorreu em uma tentativa de conciliação perante o Procon da capital de São Paulo. Ela levou ao escritório todos os documentos comprobatórios dessas tentativas de acordo.
As dívidas de Fernanda estão concentradas em três instituições financeiras: Banco Itubank (R$ 700.000,00), Banco Nesco (R$ 300.000,00) e Financeira Boa Grana (R$ 100.000,00).
Fernanda não possui mais nenhum bem em seu nome e vive de favor na casa de uma amiga de família.
Com isso em vista e figurando como o advogado Luiz, você ingressou com a ação de superendividamento em face das credoras de Fernanda.
A sua ação foi recebida na 7ª Vara Cível de São Paulo, e pelo juiz da causa foi ordenada a citação das partes passivas com a ordem de apresentação de todos os documentos, em especial, os contratos de empréstimo firmados entre Fernanda e os credores, como foi requerido na inicial.
Inconformado com a ordem de apresentação dos documentos referidos, o Banco Nesco interpôs Agravo de Instrumento contra essa decisão, alegando ser ônus da parte autora a apresentação de tais documentos, não devendo ser a ele imputada essa obrigação, sob pena de ferimento ao princípio do contraditório e da ampla defesa.
Você elaborou uma Contraminuta de Agravo de Instrumento perante a 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo e manteve a decisão de primeiro grau com a obrigação de apresentação dos documentos e contratos referentes aos empréstimos.
Você também interpôs um Recurso de Agravo de Instrumento contra a decisão interlocutória para que Fernanda depositasse as custas iniciais do processo, no valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais), no prazo de dez dias, em face da impossibilidade de concessão de assistência judicial gratuita diante dos comprovantes de seus rendimentos mensais de R$ 10.000,00 (dez mil reais) como funcionária pública municipal, sob pena de extinção do processo sem julgamento do mérito. Foi acolhido o seu recurso com o reconhecimento da gratuidade processual. Parabéns!
Com isso, houve o prosseguimento da ação e a ocorrência de uma audiência de conciliação entre as partes, o que foi infrutífera no que tange aos limites possíveis de serem realizados em seus vencimentos, descontados diretamente em seu holerite para possibilitar o pagamento das dívidas.
Diante da impossibilidade de acordo, o magistrado julgou a ação com julgamento do mérito, afastando a incidência de juros e multas, bem como entendeu abusiva a prática de cobrança casada de seguro prestamista, uma forma de seguro que a parte paga para a quitação da dívida em caso de falecimento. Afastando essas cobranças que foram consideradas abusivas, as dívidas totais apuradas foram recalculadas em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
O magistrado determinou que as dívidas fossem pagas com o desconto de 85% dos vencimentos da autora Fernanda, devendo ser destinada essa proporção de seu salário diretamente em favor das empresas rés, até a total extinção dos débitos
Foi então que o Doutor Luiz interpôs o Recurso de Apelação para a diminuição desse percentual para 30% dos vencimentos de Fernanda, em razão das suas necessidades financeiras para o seu sustento e de sua família, sendo ela julgada procedente no Tribunal de Justiça.
Contudo, o Banco Nesco interpôs Recurso Especial contra essa decisão, mas as suas contrarrazões foram acolhidas e o recurso da parte julgado improvido. Parabéns!
A decisão transitou em julgado, e os autos retornaram para o Juízo de primeiro grau, tendo o juiz da causa proferido a seguinte decisão: Tendo em vista o trânsito em julgado certificado nos autos, emitase ordem de desconto em folha de pagamento da devedora (Setor de Recursos Humanos da Prefeitura de São Paulo) no patamar máximo de 85% de seus vencimentos, até perfazer o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), quando ocorrerá a integral quitação dos débitos.
No mesmo dia da intimação, Fernanda, desesperada, procurou você em seu escritório, pedindo para que seja corrigido este equívoco, já que a decisão foi reformada pelo Tribunal de Justiça, que delimitou os descontos mensais a 30% de seus vencimentos.
Tome a medida judicial adequada para a correção dessa decisão.
Qual providência processual deverá tomar o advogado Luiz? Apresente a peça processual adequada com os fundamentos jurídicos necessários.
Aprenderemos algumas coisas que auxiliarão nessa missão que começa agora.
Fundamentando!
O CONTROLE E A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL
Falamos aqui, por diversas vezes, a respeito da superioridade da Constituição em relação às demais normas, denominada de Princípio da Supremacia das Normas Constitucionais.
Como a Constituição dá ao ordenamento jurídico a sua estrutura última de validade, é essencial que ocorra a interpretação de suas normas sempre que for confrontada como um paradigma em relação a outras normas jurídicas ou até mesmo entre os dispositivos constantes de seu texto. Essa interpretação acarreta o uso de técnicas que extraem do seu texto um significado próprio.
Duas dessas técnicas possuem destaque, pois estão previstas expressamente na Lei nº 9.868/99 (Lei da ADI, ADO e ADC), que as incluiu no parágrafo único do art. 28, e ambas possuem o objetivo comum de preservar uma norma que, à primeira vista, parece ser inconstitucional.
Elas, no entanto, diferem na maneira como corrigem os vícios de inconstitucionalidade.
Interpretação conforme a Constituição
A técnica da “interpretação conforme a Constituição” é aplicada apenas a normas que possuem múltiplos significados possíveis, ou seja, normas que podem ser interpretadas de mais de uma maneira.
O órgão de controle de constitucionalidade (STF ou TJs) elimina a inconstitucionalidade excluindo certas “possibilidades de interpretação” que violem a Constituição, permitindo apenas a interpretação que seja compatível com o texto constitucional.
Declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto
A técnica da “declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto” é usada para evitar a inconstitucionalidade em situações específicas sem alterar o texto normativo da lei. Ao contrário da primeira técnica, não se trata de afastar diferentes interpretações da norma, mas, sim, de excluir a aplicação da norma em determinadas situações que a tornariam inconstitucional.
Dessa forma, o aplicador indica a forma que a norma deve ser aplicada, a fim de que se extraia dela o sentido harmonicamente compatível com a norma constitucional.
A Lei do Controle de Constitucionalidade
A Lei nº 9.869/1999 estabelece as normas gerais para o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
A lei repete os requisitos constitucionais para a propositura da ADI e da ADC e dá peculiaridades à legitimação ativa, competência para ajuizamento e necessidade de fundamentação específica, suspensão da eficácia da norma questionada e alcance da decisão do STF, bem como estabelece os procedimentos para o julgamento, incluindo prazos, publicação de pautas, sustentação oral, entre outros.
A figura do amicus curiae
Também, inovou trazendo ao ordenamento a regulação das intervenções e a figura do amicus curiae nas ações de controle de constitucionalidade. Essa forma de participação de terceiros no processo é desempenhada por uma pessoa ou entidade que não é parte diretamente envolvida em um processo judicial, mas que é convidada ou permite-se que participe do caso para fornecer informações adicionais, argumentos ou perspectivas que possam ser relevantes para a decisão do tribunal.
No Brasil, a instituição do amicus curiae está regulamentada por diversas normas, incluindo o Código de Processo Civil (CPC) e a Lei nº 9.868/1999 (que trata das ações diretas de inconstitucionalidade). Essas leis estabelecem as regras e os procedimentos para a sua atuação em casos em que está presente o interesse público.
A sua atuação é geralmente aceita quando a decisão do tribunal pode ter repercussões sociais, econômicas ou políticas, permitindo a juntada de argumentos, estudos e opiniões que representem a sociedade de forma mais ampla, indo além dos interesses das partes diretamente envolvidas no processo.
Os amici curiae (plural de amicus curiae) podem apresentar petições, pareceres, documentos e até mesmo sustentarem oralmente durante as sessões de julgamento.
Trazendo conhecimentos jurídicos (distintos dos usualmente utilizados, como normas e decisões de cortes internacionais) e não jurídicos a respeito de determinado tema, enriquecem o debate e oferecem informações adicionais ao tribunal com perspectivas multidisciplinares. A sua participação depende da aprovação do tribunal competente, que avalia se a sua contribuição é relevante para a tomada de decisão, e não deve ser meramente repetitiva do que já foi alegado pelas partes, mas, sim, trazer elementos novos e significativos.
As formas de controle de constitucionalidade
Vimos em nossos encontros que o controle de constitucionalidade pode ser desempenhado pelos três Poderes da República: Legislativo, Executivo e Judiciário.
Também, vimos que ele pode ser PREVENTIVO quando é realizado antes do ingresso de uma norma no ordenamento jurídico, e REPRESSIVO após a sua entrada. No primeiro caso, esse papel é desempenhado quase que exclusivamente durante o processo legislativo, que é a função complexa de criação de normas, que envolve o Legislativo e o Executivo.
Após a publicação de uma norma aprovada e promulgada, ela passa a existir no mundo jurídico, gerando efeitos para todos, o que denominamos erga omnes. Nesse momento, a função de controle de constitucionalidade é quase que integralmente desempenhada pelo Poder Judiciário, sendo diversos os instrumentos utilizados para essa finalidade de retirar do ordenamento normas que não são compatíveis com nossa Constituição.
Vimos que, no controle difuso, qualquer juiz ou tribunal pode afastar a aplicação de uma norma considerada inconstitucional em um caso concreto. Esse controle é incidental, ou seja, ocorre durante o julgamento de um caso específico, e os efeitos dessa decisão somente alcançarão as suas partes (interpartes).
No controle concentrado, o STF e os Tribunais de Justiça dos estados federados, em relação às suas constituições estaduais, têm competência para julgar ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), ações de inconstitucionalidade por omissão (ADECOM) e ações declaratórias de constitucionalidade (ADC). Nesse sistema, a análise da constitucionalidade é centralizada e ocorre de forma abstrata, sem a necessidade de um caso concreto. Nesses casos, a norma é retirada do ordenamento jurídico em razão de sua inconstitucionalidade; complementada por uma norma que foi omitida pelo legislador e que, em razão disso, não pode ser usufruído um direito constitucional; ou ainda, afastada a discussão a respeito da constitucionalidade ou não de uma norma específica.
Em todos esses casos, os legitimados para a sua propositura são especiais, previstos pelo constituinte, e os efeitos da decisão alcançarão a todos igualmente, mesmo que não tenham participado da ação; é o chamado efeito erga omnes.
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
A ADPF visa à proteção de preceitos fundamentais da Constituição Federal em situações de ameaça ou lesão. Foi instituída pela Emenda Constitucional nº 3/1993, tendo se tornado um meio eficaz para a defesa da Constituição em casos específicos, que não se adequem aos previstos em outras ações de controle de constitucionalidade, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
A ADPF preserva a supremacia da Constituição Federal, permitindo que o STF declare a inconstitucionalidade de atos do Poder Público que estejam em desacordo com preceitos fundamentais da Constituição.
Podem propor ADPF o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, o Defensor Público-Geral da União, partidos políticos com representação no Congresso Nacional, confederações sindicais, entidades de classe e outras instituições com relevante atuação em questões constitucionais.
A ADPF tem sido utilizada em casos de grande repercussão, como a criminalização da homofobia (ADPF 427 e MI 4733) e a liberdade de imprensa (ADPF 130), em que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal entendeu que a Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa) não foi recepcionada pela Constituição de 1988. Além disso, tem sido empregada em questões relacionadas aos direitos humanos, ao meio ambiente, à democracia e às garantias fundamentais.
O objeto de controle na ADPF é distinto do analisado pela ADI e engloba: as leis municipais que violam preceitos fundamentais da Constituição; atos administrativos normativos do Poder Executivo, como decretos, regulamentos e outras normas; atos normativos do Poder Judiciário; atos normativos do Poder Legislativo, como resoluções, decretos legislativos e outros que violem preceitos fundamentais.
São também importantes objetos de controle da ADPF a recepção de normas anteriores à Constituição de 1988 que não tenham sido expressamente revogadas e, assim, ainda estejam em vigor.
A Reclamação constitucional
O instituto da Reclamação no STF é uma ação jurídica que tem como principal finalidade preservar a autoridade das decisões da própria Corte e garantir o cumprimento de suas súmulas vinculantes.
A Reclamação é uma ferramenta que visa evitar que decisões de instâncias inferiores ou atos administrativos contrariem o entendimento consolidado pelo STF, prevista na Constituição Federal (art. 102, §1º) e regulamentada por leis específicas e pelo Regimento Interno do STF.
A competência para julgar as reclamações é exclusiva do STF. Isso significa que o tribunal tem a última palavra na análise desses casos, garantindo a uniformidade da interpretação e a autoridade de suas decisões.
A Reclamação é uma ação que visa preservar a autoridade das decisões do STF. Isso significa que ela é utilizada quando alguém entende que uma decisão de tribunal inferior, autoridade administrativa ou mesmo ato normativo está em desacordo com uma decisão anterior do STF ou com uma súmula vinculante da Corte.
As súmulas vinculantes são enunciados sumulares editados pelo STF que possuem efeito vinculante, ou seja, são de observância obrigatória por todos os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário. A Reclamação é um instrumento comum para assegurar o cumprimento dessas súmulas.
A cláusula de reserva de plenário
A denominada cláusula de reserva de plenário, prevista no art. 97 da CF, somente é aplicável aos órgãos colegiados, formados por um grupo de julgadores, como os tribunais, não se aplicando ao juiz de primeiro grau, que julga sozinho.
De acordo com essa regra, a competência para declarar a inconstitucionalidade da norma ou do ato será do órgão especial ou plenário, sendo essa competência funcional, portanto absoluta.
O CPC prevê, nos arts. 948 a 950, que o relator ouvirá o Ministério Público, que atua como fiscal da lei, e as partes, após o pedido de análise da inconstitucionalidade, submetendo ao órgão que tiver atribuição para conhecer do processo.
A necessidade de prequestionamento
Prequestionamento é a alegação prévia e análise pelo órgão julgador da matéria de interesse do recorrente, para que um recurso excepcional seja recebido pelas instâncias superiores.
O prequestionamento dos dispositivos legais ou constitucionais supostamente violados apresentase como requisito essencial para a admissibilidade dos recursos denominados extremos ou excepcionais.
Vamos peticionar!
Com esse conteúdo, estamos prontos para a prática!
Qual peça processual o Dr. Luiz deverá apresentar?
Ela deve ser proposta no foro competente.
Lembre-se de que temos que buscar solução para o problema de Fernanda junto aos órgãos financeiros de forma global e coletiva.
Qual é a peça cabível?
Feito isso, você deverá:
1) Verificar o foro competente para o seu julgamento, para fazer o correto endereçamento da peça.
2) Apresentar a devida fundamentação legal.
3) Narrar os fatos que embasam a demanda.
4) Fazer os requerimentos.
5) Datar e assinar a petição.
Agora é com você!
Mãos à obra!