Direito Civil

Seção 5

direito civil

Sua causa!

Na quinta seção, passaremos a abordar os processos judiciais em segunda instância, após o efetivo julgamento do recurso de apelação, quando analisaremos a peça recursal cabível na hipótese de um acordão proferido pelo Tribunal estar eivado de contradição. 

Flávio Dutra ajuizou Ação de Responsabilidade Civil por Danos Materiais e Morais, sendo o valor de R$ 72.000,00 (setenta e dois mil reais) relativo aos danos materiais e R$ 5.000,00 (cinco mil reais) relativo aos danos morais, distribuída à 62ª Vara Cível de Serraville/RS, sob o nº 00008987- 98.2023.4.5.0031 em face de Joana Bradiburgo Dumont. 

O autor alegou que o acidente de trânsito ocorrido entre as partes se deu em decorrência da forma negligente como Joana conduzia seu veículo, enquanto Joana, em sede de contestação, alegou que as fortes chuvas ocasionaram o acidente, não podendo lhe ser atribuída culpa. 

Sobreveio sentença de improcedência, reconhecendo que as chuvas de fato contribuíram para o acidente. Flávio promoveu recurso de apelação, no qual demonstrou que o acidente ocorreu em um dia ensolarado e que a manobra brusca de Joana foi a causadora do acidente, tendo sido prolatado o seguinte acórdão: 

Registro: … 

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos da Apelação Cível, da Comarca de Serraville/RS, em que é recorrente FLÁVIO DUTRA e recorrida JOANA BRADIBURGO DUMONT, ACORDAM, na 18ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, proferir a seguinte decisão:
“Negaram provimento ao Recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a) que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores NICCOLÒ PAGANINI (Presidente) e MAXIM VENGEROV.
Rio Grande do Sul, … de … de ….
ANNE-SOPHIE MUTTER
RELATORA
Assinatura Eletrônica

VOTO Nº …
RECURSO. Responsabilidade Civil. Indenização. Danos Morais. Inocorrência. Danos Materiais.
Culpa Concorrente. APELAÇÃO DESPROVIDA.

O presente recurso de apelação foi interposto contra sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, o qual julgou improcedente a ação interposta “ante as alegações da parte requerida, que demonstram que os fatos se deram em razão das fortes chuvas, e não por sua vontade”. 

O recorrente afirma que, no dia do acidente, não houve qualquer chuva, sendo um dia ensolarado e, ainda, que o documento de fls. 729 demonstra que a Sra. Joana, neste dia de sol, fez uma manobra brusca em alta velocidade, que contribuiu sobremaneira para o acidente. 

É O RELATÓRIO. 

Analisando detidamente os autos e considerando o princípio do livre convencimento motivado, previsto no art. 371 do Código de Processo Civil que confere ao julgador a liberdade de formar sua convicção com base nas provas dos autos, desde que o faça de forma motivada, observamos que o juízo de primeiro grau não realizou uma análise aprofundada das provas apresentadas pelo recorrente. 

Com relação à condição climática no dia do acidente, há elementos nos autos que indicam que estava de sol, fato que pode ter relevância para a apuração das responsabilidades no acidente. Além disso, a alegação de que a parte recorrida realizou uma manobra brusca também merece uma análise mais detalhada. 

Portanto, considerando que o juízo de primeiro grau não procedeu a uma análise adequada e motivada dessas provas relevantes, é imperativo que este Egrégio Tribunal de Justiça exerça seu papel de revisão da decisão para assegurar que o princípio do livre convencimento motivado seja devidamente aplicado.

Desta forma, em análise aos elementos contidos nos autos, resta cristalina a responsabilidade da Sra. Joana no acidente causado, ao passo que as condições climáticas não afetaram sua capacidade de direção e, ainda, a manobra brusca e indevida realizada de fato foi a causadora do acidente. 

Ante o exposto, pelo meu voto, entendo pelo DESPROVIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO PROPOSTO

ANNE-SOPHIE MUTTER
RELATORA 

Fundamentando!

1. DOS RECURSOS CABÍVEIS EM FACE DE ACÓRDÃO

Antes de definir qual o caminho processual a ser adotado, é necessário analisar quais os recursos cabíveis em face do acórdão proferido pelos Tribunais Superiores. Nos termos do art. 204 do Código de Processo Civil, acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais. 

Em face de acórdão, poderão caber: Embargos de Declaração, Recurso Extraordinário ou Recurso Especial.

 

2. DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Por primeiro, trataremos dos embargos de declaração, os quais têm por finalidade, nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil: “I – esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; corrigir erro material”. 

Os embargos de declaração são cabíveis contra qualquer espécie de decisão judicial, sejam elas decisões interlocutórias, sentenças ou acórdãos, em qualquer grau de jurisdição, sejam em processos de conhecimento ou execuções.

 

2.1 OBSCURIDADE

Ao tratamos de obscuridade, como a própria definição da palavra já nos diz, estamos diante de uma decisão que não é clara. 

Os pronunciamentos judiciais, independentemente de seu conteúdo, devem permitir que qualquer parte que o leia entenda e compreenda o que efetivamente foi decidido e/ou requerido, tanto no que concerne à decisão quanto aos seus fundamentos. 

Caso a decisão proferida, em qualquer grau de jurisdição, padeça de clareza, seja ininteligível ou até mesmo incompreensível, o recurso denominado embargos de declaração servirá para requerer ao próprio julgador que promova os esclarecimentos.

 

2.2 CONTRADIÇÃO

Contradição, por sua vez, é vício diverso da obscuridade, apesar da previsão no mesmo inciso do dispositivo legal.

 

A contradição é a ausência de compatibilidade do teor da decisão proferida, por exemplo, quando a parte dispositiva de uma determinada sentença traz todos os fundamentos para a procedência do pedido, mas, de modo diverso, em sua conclusão, consta que o pedido foi julgado improcedente.

 

Em uma sentença ou acordão, deve haver harmonia entre os fundamentos e o conteúdo decisório, até porque a contradição leva à obscuridade, podendo, assim, ser a decisão atacada por meio de embargos de declaração visando a emissão de esclarecimentos ou até mesmo a correção do conteúdo por parte do magistrado.

2.3 OMISSÃO

Outro aspecto a ser observado é a existência de omissões na decisão proferida. Caso o magistrado deixe de se manifestar acerca de matéria que exigia sua observação, estaremos diante de uma omissão, posto que tal conduta cria uma lacuna no conteúdo decisório. 

O julgador, no uso de suas atribuições, deve observar e se manifestar a respeito de todos os pedidos formulados pelas partes. 

O art. 1.022 do Código de Processo Civil define as hipóteses em que há omissão na decisão proferida:

Art. 1.022. (…)
(…)
Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que:
I – deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento;
II – incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º. (Brasil, 2015, [s. p.])

Cumpre lembrar que o mencionado art. 489, §1º, trata das hipóteses em que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, afirmando, assim, que a ausência de fundamentação na decisão a torna omissa e passível de embargos de declaração.

PONTO DE ATENÇÃO

A ausência de pronunciamento do magistrado acerca de questão reconhecidamente irrelevante ou, ainda, sem qualquer relação com o caso concreto ou relação processual, não constitui omissão, não sendo, dessa forma, passível de reforma pela via dos embargos de declaração.

2.4 ERRO MATERIAL

O art. 494 do Código de Processo Civil é enfático ao tratar das hipóteses de alteração da sentença após sua efetiva publicação, senão, vejamos:

 

Art. 494. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: 

I – para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; 
II – por meio de embargos de declaração. (Brasil, 2015, [s. p.])

Assim, de fácil observação que, além da possibilidade de correção de erros materiais de ofício, estes podem ser atacados pela via dos embargos de declaração. 

Não há um rol taxativo dos erros materiais; estes podem ser relativos à numeração processual, erros de cálculo, erros de fato, e equívocos quanto a datas, entre outros.

 

2.1 REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

Diferentemente dos outros recursos, o prazo de interposição dos embargos de declaração é de cinco dias, contados da intimação da decisão, podendo este ser interposto por qualquer das partes legitimadas. 

A interposição dos embargos de declaração não depende de preparo e interrompe o prazo de apresentação de outros recursos, mesmo que este não seja admitido.

Nos termos do art. 1.026 do Código de Processo Civil, quando manifestamente protelatórios os embargos de declaração, o juiz ou o tribunal, em decisão fundamentada, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa, sendo que, na reiteração da conduta, a multa será elevada em até dez por cento, e a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa.

 

3. RECURSO ESPECIAL

As hipóteses de cabimento do recurso especial estão descritas no art. 105, III, alíneas a), b) e c) da Magna Carta. 

Referido artigo impõe que compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

 

Art. 105. (…)
(…)
III – (…)
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. (Brasil, 1988, [s. p.])

Ao tratar de contrariedade à Lei Federal, ressaltamos o teor da Súmula 400 do Supremo Tribunal Federal, na qual é afirmado que “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra “a” do art. 101, III, da Constituição Federal” (STF, 1964, [s. p.]).

 

4. RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Assim como ocorre com o Recurso Especial, o Recurso Extraordinário tem previsão constitucional e suas hipóteses de cabimento estão descritas no art. 102, III, alíneas a), b), c) e d) da Magna Carta, em que é definida a competência para julgamento do recurso como sendo do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

 

Art. 102 (…)
(…)
III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Brasil, 1988, [s. p.])

É importante lembrar que tanto o Recurso Especial quanto o Recurso Extraordinário são dotados de efeito devolutivo, podendo ser concedido o efeito suspensivo mediante requerimento da parte na forma prevista no art. 1.029, §5º, do CPC.

 

Vamos peticionar!

Prezado estudante, face ao acórdão proferido pelo Tribunal, é necessária a identificação dos pontos contrários aos interesses do recorrente Flávio, a fim de identificar a peça processual cabível à defesa de seus interesses. 

É importante que o estudante analise se o acórdão proferido é eivado de omissão, obscuridade, erro material ou contradição, aptos a serem atacados pela via dos Embargos de Declaração, ou ainda, em não havendo quaisquer dos mencionados vícios, se a decisão prolatada se enquadra nas hipóteses do art. 102, III, ou do art. 105, II, da Constituição Federal, elaborando, desta forma, o quanto necessário.