Direito Constitucional

Seção 4

direito constitucional

Sua causa!

Querido estudante! 

Seja bem-vindo ao nosso terceiro encontro do Núcleo de Prática Jurídica com suporte em AVA de Direito Constitucional. 

Relembraremos o nosso problema, veremos qual o nosso novo desafio e aprenderemos mais sobre Direito Constitucional e as suas conexões com outras disciplinas que são importantíssimas na nossa vida cotidiana.

O CASO 

Luiz é advogado em São Paulo e atua na defesa de consumidores com problemas de superendividamento. Ele recebeu em seu escritório a Fernanda, uma funcionária pública municipal, que recebe vencimentos de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por mês, mas está repleta de dívidas com empresas de cartão de crédito e bancos, além de já ter perdido o seu veículo, o apartamento em que vive e o seu plano de saúde. 

Por ter enfrentado algumas dificuldades nos últimos anos, Fernanda passou a não quitar as faturas de seus cartões de crédito, levando ao constante parcelamento e pagamento do mínimo previsto, o chamado crédito rotativo do cartão de crédito. Após um ano, ela viu que as contas do cartão superavam em muito o valor de seu salário e pegou um empréstimo consignado para realizar a sua quitação. Contudo, o valor do empréstimo impossibilitou-a de realizar outros pagamentos, devendo se valer de novos empréstimos consignados para pagamento das dívidas anteriores e se manter. 

Nesse tempo, vendeu o seu carro e comprou outro financiado, para com o valor da venda pagar alguns dos empréstimos. No entanto, não conseguiu pagar as parcelas e teve que entregar o carro para leilão, tendo perdido o valor de entrada e, ainda, permanecido com a nova dívida referente ao veículo. 

Fernanda tentou realizar uma conciliação com os devedores em uma feira que estava ocorrendo junto a uma empresa de proteção de crédito, mas não houve acordo, uma vez que os parcelamentos oferecidos comprometiam integralmente o seu salário. O mesmo ocorreu em uma tentativa de conciliação perante o Procon da capital de São Paulo. Ela levou ao escritório todos os documentos comprobatórios dessas tentativas de acordo. 

As dívidas de Fernanda estão concentradas em três instituições financeiras: Banco Itubank (R$ 700.000,00), Banco Nesco (R$ 300.000,00) e Financeira Boa Grana (R$ 100.000,00). 

Fernanda não possui mais nenhum bem em seu nome e vive de favor na casa de uma amiga de família. 

Com isso em vista e figurando como o advogado Luiz, você ingressou com a ação de superendividamento em face das credoras de Fernanda. 

A sua ação foi recebida na 7ª Vara Cível de São Paulo, e pelo juiz da causa foi ordenada a citação das partes passivas com a ordem de apresentação de todos os documentos, em especial, os contratos de empréstimo firmados entre Fernanda e os credores, como foi requerido na inicial. 

Inconformado com a ordem de apresentação dos documentos referidos, o Banco Nesco interpôs Agravo de Instrumento contra essa decisão, alegando ser ônus da parte autora a apresentação de tais documentos, não devendo ser a ele imputada essa obrigação sob pena de ferimento ao princípio do contraditório e da ampla defesa. 

Você elaborou uma Contraminuta de Agravo de Instrumento perante a 11ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo e manteve a decisão de primeiro grau com a obrigação de apresentação dos documentos e contratos referentes aos empréstimos. 

Você também interpôs um Recurso de Agravo de Instrumento contra a decisão interlocutória para que Fernanda depositasse as custas iniciais do processo, no valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais), no prazo de dez dias, em face da impossibilidade de concessão de assistência judicial gratuita diante dos comprovantes de seus rendimentos mensais de R$ 10.000,00 (dez mil reais) como funcionária pública municipal, sob pena de extinção do processo sem julgamento do mérito. Foi acolhido o seu recurso com o reconhecimento da gratuidade processual. Parabéns! 

Com isso, houve o prosseguimento da ação e a ocorrência de uma audiência e conciliação entre as partes, o que foi infrutífera no que tange aos limites possíveis de serem realizados em seus vencimentos, descontados diretamente em seu holerite para possibilitar o pagamento das dívidas. 

Diante da impossibilidade de acordo, o magistrado julgou a ação com julgamento do mérito, afastando a incidência de juros e multas, bem como entendeu abusiva a prática de cobrança casada de seguro prestamista, uma forma de seguro que a parte paga para a quitação da dívida em caso de falecimento. Afastando essas cobranças que foram consideradas abusivas, as dívidas totais apuradas foram recalculadas em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). 

Contudo, o magistrado determinou que as dívidas fossem pagas com o desconto de 85% dos vencimentos da autora Fernanda, devendo ser destinada essa proporção de seu salário diretamente em favor das empresas rés, até a total extinção dos débitos. 

No dia seguinte da intimação dessa decisão, Fernanda procurou o Doutor Luiz, informando que, apesar de extremamente positiva em termos do recálculo da dívida, não teria condições de cumprir a sentença na forma em que ela foi lançada, uma vez que não teria como sobreviver com apenas 15% do que ganha, em razão das suas necessidades e de sua família, isso pelo prazo aproximado de dois anos. 

No papel do Doutor Luiz, tome a medida recursal adequada para reforma da decisão nesse ponto determinado, diante da condição de hipossuficiência financeira que a impede de pagar as dívidas nessa proporção de desconto, em razão da manutenção de seu mínimo existencial. 

Qual providência processual deverá tomar o advogado Luiz? Apresente a peça processual adequada com os fundamentos jurídicos necessários. 

Aprenderemos algumas coisas que auxiliarão nessa missão que começa agora.

Fundamentando!

A CONSTITUIÇÃO E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS 

O direito a uma vida digna é um fundamento da Constituição Federal de 1988, e está claramente delineado no art. 1º, inciso III, no qual a dignidade da pessoa humana é proclamada como um valor supremo na construção do Estado Democrático de Direito. 

Esse valor fundamental não é apenas um princípio mas também o núcleo de todos os direitos fundamentais estabelecidos em nossa Constituição, merecendo a proteção especial da imutabilidade das “cláusulas pétreas”, não podendo ser reduzido ou eliminado, nem mesmo através de emendas constitucionais. 

Todos os direitos fundamentais são decorrentes do princípio da dignidade humana e têm como objetivo salvaguardar todos os aspectos da vida humana em uma existência digna. A Constituição de 1988 os concentrou primordialmente no seu art. 5º, porém também os espalhou ao longo de todo o texto, incorporando princípios que derivam da própria lógica constitucional, mas não escritos formalmente no texto, denominados princípios constitucionais implícitos, assim como os tratados internacionais de direitos humanos que sejam internalizados em nosso ordenamento jurídico. 

A Constituição de 1988 não apenas declara nossa firme adesão à dignidade da pessoa humana como valor supremo mas também implementa de forma abrangente e sistemática os meios para protegê-la. 

Ela estabelece esses direitos e os consagra como inalienáveis e inegociáveis, reforçando, assim, o compromisso do Estado em garantir a todos os cidadãos uma vida digna, baseada no respeito, na justiça e na igualdade. 

EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS 

A Constituição narra direitos que, como vimos, estão espalhados por todo o texto constitucional e até mesmo fora dele. Esses direitos, assim como as demais normas da Constituição, não são todos iguais, pois possuem eficácias diferentes, ou seja, alguns deles podem e devem ser exigidos de forma ampla e imediata, enquanto outros – em razão de sua natureza e abstração – se apresentam com um conteúdo mais vago, como uma meta do constituinte, um programa, um norte para ser seguido pelas gerações futuras. 

José Afonso da Silva, um dos mais importantes constitucionalistas brasileiros, apontou que existem três espécies de normas constitucionais: normas de eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada. Essa classificação se refere ao grau de eficácia jurídica dessas normas, demonstrando que as normas constitucionais não são todas iguais. 

As normas de eficácia plena e aplicabilidade imediata são aplicadas desde a sua entrada em vigor, isto é, não dependem de regulamentação ou qualquer outra norma posterior para exercerem seus efeitos em sua integralidade. Essas normas são autoaplicáveis desde o seu nascimento e não precisam de outras normas que lhes tornem exigíveis. 

As normas de eficácia contida são caracterizadas por sua ampla aplicabilidade imediata ao entrarem em vigor, porém podem ter seu alcance restringido por outras normas que regulamentam e limitam sua eficácia, determinando sua abrangência e forma de aplicação. Isso fica evidente, por exemplo, no art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, o qual assegura a liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidos os requisitos profissionais estabelecidos pela lei. 

Embora o constituinte tenha consagrado a liberdade de exercer qualquer ocupação, deixou espaço para que o legislador imponha restrições com base na legislação. Isso é notável no caso da advocacia, em que ser bacharel em Direito não é suficiente; é preciso demonstrar conhecimento jurídico através da aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 

O direito estabelecido pelo Constituinte é abrangente, mas pode ser legitimamente restringido em prol de interesses sociais. No caso da advocacia, dada a sua importância como função essencial da justiça, é razoável a exigência de qualificação mínima para quem assume essa função privada de interesse público. 

Em terceiro lugar, José Afonso da Silva ressalta a existência de normas constitucionais de eficácia limitada. Estas normas não possuem por si só força suficiente para produzir todos os seus efeitos a partir de sua promulgação, dependendo da promulgação de normas posteriores que as complementem e tornem eficazes. 

Elas têm impacto no universo jurídico ao estabelecerem diretrizes e limites mínimos que vinculam o legislador em uma determinada direção, mas não possibilitam a execução integral dos direitos nelas previstos sem que haja uma norma subsequente que as aplique. Vejamos um importante exemplo de norma dessa natureza. 

O constituinte no art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal estabelece que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (Brasil, 1988, [s. p.]). Veja que essa defesa do consumidor deverá ser exercida na forma da lei, sendo ela necessária para a aplicabilidade da norma constitucional. Contudo, perceba que o constituinte exigiu que as relações de consumo não fossem apenas reguladas por meio de uma lei, pelo contrário, ele definiu previamente que essa lei deveria proteger uma das partes da relação jurídica – defendendo o consumidor –, por assumir que esse ocupa uma posição mais vulnerável nas relações de consumo. 

Perceba também que, apesar de a norma não poder ser aplicada imediatamente após a sua entrada em vigor, desde esse momento vinculou o legislador no sentido de que fizesse uma lei que protegesse a parte mais vulnerável da relação, ou seja, o consumidor. 

Caso o legislador não cumprisse com essa missão protetiva de forma minimamente adequada, incorreria em uma inconstitucionalidade. Assim, percebemos que as normas de eficácia limitada, mesmo que não exerçam plena eficácia imediata, vinculam o legislador, a interpretação e a aplicação do Direito, não podendo essas se afastarem do caminho apontado pelo constituinte. Foi em razão dessa norma constitucional que foi criado o Código de Defesa do Consumidor, com um amplo rol de proteções e direitos. 

As normas de eficácia limitada podem, ainda, ser divididas em dois grupos de normas: as institutivas ou organizadoras e as de princípio programático. 

As normas de princípio institutivo organizam por meio da previsão geral a estrutura do Estado, isto é, elas preveem órgãos que deverão ser materializados e estruturados pela Administração Pública e ter o seu funcionamento regulado por meio de normas. A Constituição de 1988 criou diversos órgãos e alterou a competência de outros já existentes. Um desses órgãos foi o Superior Tribunal de Justiça, criado em 1988, o qual substituiu o Tribunal Federal de Recursos até então existente. A previsão da criação de um órgão no texto constitucional, por si só, não tem o condão de “tirá-lo do papel”, sendo necessária para o seu regular funcionamento a regulamentação da sua estrutura, a nomeação de funcionários, a adoção de uma sede e meios materiais para o exercício das funções, orçamento etc. Assim, a norma que cria um órgão é de eficácia limitada, pois necessita de outros meios legislativos e materiais para que, de fato, entre em funcionamento. 

Por sua vez, as normas de eficácia limitada denominadas programáticas são aquelas que instituem programas, nortes, metas que deverão ser alcançadas no futuro. Essas normas em razão da sua abrangência e abstração dependem de outras normas para a sua aplicação. Encontramos normas dessa natureza, por exemplo, no Capítulo VI da Constituição, que dispõe sobre o meio ambiente (art. 225). Vejamos o caput desse artigo: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Brasil, 1988, [s. p.]). 

Perceba que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está previsto na Constituição, mas os meios pelos quais esse direito será preservado dependem de uma série de medidas públicas e privadas que garantam efetivamente essa proteção. 

Temos que ter em mente, ainda, um importante princípio previsto em nossa Constituição, o da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

O constitucionalista português Canotilho aponta que as normas constitucionais devem ser interpretadas e aplicadas para ser dada a máxima efetividade (aplicabilidade) a elas, em especial, em relação aos direitos fundamentais. 

Com essa máxima efetividade é que devemos interpretar a Constituição e, em especial, o art. 5º, §1º, que dispõe que as normas definidoras dos direitos e das garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata, sendo elas exigíveis de plano.

PONTO DE ATENÇÃO

PRINCÍPIO APLICAÇÃO IMEDIATA 

Art. 5º, §1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

Vamos peticionar!

Com esse conteúdo, estamos prontos para a prática! 

Qual peça processual o Dr. Luiz deverá apresentar? 

Ela deve ser proposta no foro competente. 

Lembre-se de que temos que buscar solução para o problema de Fernanda junto aos órgãos financeiros de forma global e coletiva. 

Qual é a peça cabível? 

Feito isso, você deverá: 

1) Verificar o foro competente para o seu julgamento, para fazer o correto endereçamento da peça.
2) Apresentar a devida fundamentação legal.
3) Narrar os fatos que embasam a demanda.
4) Fazer os requerimentos.
5) Datar e assinar a petição.

Agora é com você!

Mãos à obra!